domingo, 23 de agosto de 2009

GOSTO SE DISCUTE

Quando você estiver sem assunto em uma roda de amigos, comece a discutir gosto. Pronto, você terá com certeza assunto para as próximas 24 horas. Mas não seja radical, isso incomoda qualquer um. Tenha limites em seu pensamentos e principalmente em seu dizeres. Tudo que é feito em excesso é ridicularizado depois. Você acaba sendo rotulado. Aquele fulano de tal não gosta de rock, aquele beltrano é preconceituoso.
Um dos mitos mais recorrentes é que "questões de gosto não se discutem", ou numa visão mais ampliada, "gostos, amores e desejos não se discutem". Em primeiro lugar, considerar o gosto como questionamento contradiz um outro tipo de prática cotidiana: a de diagnosticar o que é de bom ou mau gosto. Quando nos deparamos com alguém excessivamente espalhafatoso, vestindo algo exagerado para a ocasião ou fazendo piadinhas inadequadas, imediatamente reagimos comentando ou pensando que se trata de alguém de mau gosto.
Isso não é algo comum da mulher, pelo contrário, homens costumam ser bem mais observadores do que as mulheres, que se apegam aos detalhes. Por outro lado, costumamos identificar como de bom gosto as atitudes equilibradas, discretas e refinadas. Nos sentimos mais atraídos por aqueles que mantém o mistério no ar. Ora, se podemos propor esse tipo de hierarquia, é porque intuímos que há no gosto algo de objetivo. Não faria sentido pensar em bom ou mau gosto se não existisse um critério de distinção.
Outro caso que torna frágil o suposto caráter inquestionável do gosto é o caso, por exemplo, das músicas de sucesso. Todas elas obedecem, mais ou menos, a um padrão já consolidado e bem conhecido da própria história da pessoa. Gostar de uma música tem a ver mais com o reconhecimento familiar do que propriamente com alguma qualidade objetiva da música. Nasci no final da década de 80, e gosto de Madonna, The Camberries, Roxette, The Corrs e Legião Urbana. Meus irmãos foram a principal influência e referência. Isso significa que podemos alterar o gosto na medida em que nos habituamos com padrões diferentes. Como na adolescência já chegamos a gostar de uma música que hoje é difícil de entender porque gostamos algum dia. E tem ainda pessoas que amam ouvir música internacional, e não sabem nadinha do que significa a tradução delas.
O que é preciso esclarecer é o que gosto é discutível e modificável e que, de fato, pertence ao terreno privado do outro. Obviamente jamais conseguiremos convencer do contrário alguém que detesta, por exemplo, sorvete de passas ao rum, ainda que apelemos para as suas qualidades nutricionais e argumentemos sobre as maravilhas do seu sabor. Nesse território, a pessoa reage a elementos que nem ela própria tem controle. As vezes ela nem sequer experimentou. Ao detestar ela está sendo apenas honesta consigo mesma. Por outro lado, é bem razoável admitirmos uma “raiz comum” entre o gostar e o conhecer. Quanto a isso exemplos não faltam.
O gosto é, acima de tudo, uma capacidade de julgar: quanto mais aprimoramos o conhecimento sobre um determinado assunto mais nosso julgamento se torna criterioso e fundamentado. Como cinema, por exemplo. Tem filmes que somente os entendedores do assunto vão curtir e enxergar elementos de fotografia, corte, cena.
Ampliar o conhecimento enriquece a capacidade de reconhecer padrões e, por decorrência, de experimentar novos “gostos”. Se isso é verdade, o gosto não é algo sobre o qual não se deve discutir ou algo sobre o qual discutir não leva a nada. É, sim, algo que pode ser educado e transformado. Por isso, quando discutir sobre qualquer assunto relacionado a gosto, apenas respeite os limites do terreno privado de cada um. Pequenos insights podem surgir nessas discussões.

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