terça-feira, 24 de junho de 2008

PARA OS VIAJANTES DO COLETIVO


Dizem que no ócio é que a mente começa a trabalhar as coisas mais fúteis ou as mais criativas. Perco diariamente de 20 a 30 minutos parada em um ponto de ônibus à sua espera. Não reclamo de forma alguma da sua demora, mas penso que esses minutos realmente poderiam ser aproveitados de forma mais agradável.Quando chega o tão esperado coletivo, entrar nele já é o primeiro teste de quanto anda seu estresse . Quem freqüenta um SPA, raramente pegaria um ônibus. Então imagine os inúmeros estressados que estão ali dividindo o metro quadrado. Com os folgados você dá logo de cara, bem na entrada, sentados nos assentos destinados aos idosos, gestantes e crianças no colo. Uns fingem que dorme para não ceder o lugar de forma alguma, enquanto outros viram o rosto para a janela e curtem a paisagem.
O segundo teste é a sacolada, tem até galinha sendo transportada em caixa de papelão com furinhos. A disputa das sacolas irrita mais do que pirraça de criança mimada. Sem contar o celular, testar toques no volume alto não é tão pior, mas é um empurrãozinho para pensarmos em um carro com ar condicionado.Aí vêm no pensamento aquelas propagandas do Renault Scénic, Corolla, com um galã dirigindo em uma estrada perfeita, dessas de filmes.

Para eleger o último teste preciso primeiro expor um ponto de vista, para que meus caros leitores não pensem que não gosto de ajudar o próximo. Admiro, muito, e ajudo quando posso. Mas logo no silêncio, quando todos se calam, pela graça de Deus o “busão” está com os corredores vazio, me entra pela porta de traz o vendedor ambulante. Com uma caixa de balas enorme, ameaçando bater na sua cabeça toda vez que há uma freada. Tem até uma música do Rappa, Miséria S.A., que é o próprio discurso da fala deste vendedor.Neste caso, os minutos de silêncio roubados são válidos, mas o pior é quando entram os espertinhos.
Já ocorreu de uma mulher entrar dizendo que tinha doenças sérias e precisava de tratamento. Depois de muito blá, blá, blá, ela tira da bolsa um remédio para o estômago, só que as pessoas que estavam ali podiam não saber, acreditando que era mesmo para o controle da doença. O nome do remédio não era estranho, cheguei em casa, abri o armário e batata, ali estava ele para “gases”. Uns pagam pelo erro dos outros, muitos motoristas não deixam entrar os de boa índole. Têm outros que não vendem, pedem ajuda. Como os que trabalham para casas de recuperação de usuários de drogas.Legal o trabalho deles, mas é preciso os olhos bem abertos para as instituições que são fantasiosas. Enquanto 1,4 milhão de usuários de ônibus passam por todas essas fases estressantes que citei, inúmeros carros passeiam com o banco passageiro vazio. Sobre o congestionamento não é preciso nem comentários. São os famosos egoístas do trânsito, encenam com o olhar para os viajantes do coletivo “Invejem a minha folga”.
Mas é válido lembrá-los que nem todo dia é dia de rei, a selva de pedras cresce cada vez mais e o número de acidentes no trânsito junto com ela. Todos deveriam ser conscientes e mais solidários. É bom para o ambiente e o estresse para quem não pode ir para o SPA.


Miséria S.A.
O Rappa
Composição: Pedro Luis

Senhoras e senhores estamos aqui

Pedindo uma ajuda por necessidade

Pois tenho irmão doente em casa

Qualquer trocadinho é bem recebido

Vou agradecendo antes de mais nada

Aqueles que não puderem contribuir

Deixamos também o nosso muito obrigado

Pela boa vontade e atenção dispensada

Vou agradecendo antes de mais nada

Bom dia passageiros

É o que lhes deseja

A miséria S.A

Que acabou de chegar

Bom dia passageiros

É o que lhes deseja

A miséria S.A

Que acabou de falar

Lhes deseja , lhes deseja

Lhes deseja , lhes deseja

segunda-feira, 16 de junho de 2008

AMOR QUE SÓ QUEM POSSUI ENTENDE




Embrulhado em um jornal, chegou quietinho, sem fazer barulho pra ninguém acordar. Mas acabei acordando, os cochichos na cozinha foram inevitáveis. Foi quando ganhei, pela primeira vez, um dos maiores presentes que poderia desejar: um Canário Belga da cor amarela ouro. Esta paixão eu devo ter herdado do meu avô. Nunca havia visto antes um pássaro tão fiel ao dono quanto era o dele. O Preto, como chamávamos ele, dava a cabeça para coçar piolho, era dengoso feito só ele e adorava como ninguém tomar banho de torneira. De vez em quando meu avô cortava suas asas, e deixava-o andando pelo terreiro afora para pegar minhoca na terra. E fazia a farra o danadinho.
Em 1998, perdemos o seu Chico, e junto com ele a alegria do Preto. Viveu pouco mais de um ano, e depois disso nunca foi substituído. Uns disseram que morreu de tristeza, outros de saudade. A saudade dói, ainda mais quando é provocada pelo vazio. Meu canarinho tomou um espaço na casa, canta até o gogó subir. Adora ganhar um carinho, baixa até a cabeça pra coçar. Ele me lembra muito os costumes do Preto, sabe a hora que chego, que acordo e quando não estou bem. De tanta dedicação e amor a nós, resolvi em 2005 arrumar uma companheira para ele. Ela chegou meio doentinha, era amarela com uma cor mais clara.
Apesar de brigarem muito, ela piava de lá e ele cantava de cá. Adorava o radinho ligado, piava mais alto conforme a música. No silêncio, era só me ver que começava a piar para chamar a atenção. Nem mesmo os criadores que conheci de Belga entendiam o comportamento da Lorinha. E me ofereceram pela dupla, valores que não pagariam nunca o afeto imensurável que sinto por eles. Até que semana passada, senti um vazio inexplicável e um dor de perda que só quem já sentiu entenderia. Ao acordar, encontrei a Lorinha caída no chão da gaiola, trêmula. Peguei-a na mão e dei um beijo de desespero, não sabia o que havia acontecido com ela. Estava bem na noite anterior, porém ela me olhou e fechou os olhos. Seu coração não bateu mais.
Já se passaram alguns dias, e o vazio permanece. Agora tenho somente meu companheirinho que deve estar sentindo a mesma falta que eu. Alguns amam cachorros, outros não amam nada. Amor é único, singular e faz sentido apenas para quem sente. Há quem sorrir quando dizem de amores incomuns, e outros que admiram pela capacidade singela de amar. Mário Quintana era o poeta passarinho, e dizia: “Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho!”.


BILHETE

Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,

.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda.

Mario Quintana