segunda-feira, 16 de junho de 2008

AMOR QUE SÓ QUEM POSSUI ENTENDE




Embrulhado em um jornal, chegou quietinho, sem fazer barulho pra ninguém acordar. Mas acabei acordando, os cochichos na cozinha foram inevitáveis. Foi quando ganhei, pela primeira vez, um dos maiores presentes que poderia desejar: um Canário Belga da cor amarela ouro. Esta paixão eu devo ter herdado do meu avô. Nunca havia visto antes um pássaro tão fiel ao dono quanto era o dele. O Preto, como chamávamos ele, dava a cabeça para coçar piolho, era dengoso feito só ele e adorava como ninguém tomar banho de torneira. De vez em quando meu avô cortava suas asas, e deixava-o andando pelo terreiro afora para pegar minhoca na terra. E fazia a farra o danadinho.
Em 1998, perdemos o seu Chico, e junto com ele a alegria do Preto. Viveu pouco mais de um ano, e depois disso nunca foi substituído. Uns disseram que morreu de tristeza, outros de saudade. A saudade dói, ainda mais quando é provocada pelo vazio. Meu canarinho tomou um espaço na casa, canta até o gogó subir. Adora ganhar um carinho, baixa até a cabeça pra coçar. Ele me lembra muito os costumes do Preto, sabe a hora que chego, que acordo e quando não estou bem. De tanta dedicação e amor a nós, resolvi em 2005 arrumar uma companheira para ele. Ela chegou meio doentinha, era amarela com uma cor mais clara.
Apesar de brigarem muito, ela piava de lá e ele cantava de cá. Adorava o radinho ligado, piava mais alto conforme a música. No silêncio, era só me ver que começava a piar para chamar a atenção. Nem mesmo os criadores que conheci de Belga entendiam o comportamento da Lorinha. E me ofereceram pela dupla, valores que não pagariam nunca o afeto imensurável que sinto por eles. Até que semana passada, senti um vazio inexplicável e um dor de perda que só quem já sentiu entenderia. Ao acordar, encontrei a Lorinha caída no chão da gaiola, trêmula. Peguei-a na mão e dei um beijo de desespero, não sabia o que havia acontecido com ela. Estava bem na noite anterior, porém ela me olhou e fechou os olhos. Seu coração não bateu mais.
Já se passaram alguns dias, e o vazio permanece. Agora tenho somente meu companheirinho que deve estar sentindo a mesma falta que eu. Alguns amam cachorros, outros não amam nada. Amor é único, singular e faz sentido apenas para quem sente. Há quem sorrir quando dizem de amores incomuns, e outros que admiram pela capacidade singela de amar. Mário Quintana era o poeta passarinho, e dizia: “Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho!”.


BILHETE

Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,

.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda.

Mario Quintana

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