sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

AYAAN HIRSI ALI - SINÔNIMO DE DETERMINAÇÃO E CORAGEM


Infiel, este é o nome da autobiografia de uma mulher que promove admiração nas pessoas que almejam um pouco de determinação. A infidelidade não entra no sentido de traição entre marido e mulher, e sim, a descrença por uma religião – Islã - que dilacerou seu corpo, sua vida e família. Ayaan sofreu a circuncisão aos cinco anos, e ainda assistiu a da irmã mais nova Haweya, que confessa ter sido um dos seus maiores traumas.
Passou dias com as pernas amarradas para a cicatrização e segurando a urina, pois a ardência provocada pela ferida era intensa e agonizante. Com os olhos vendados, levou uma surra até desmaiar de um professor na tentativa de obrigá-la a decorar os versos do Corão. O resultado foi um traumatismo craniano, descoberto após o tio tocar sua cabeça e sentir um galo do tamanho de um tomate. Ajudou os refugiados da guerra civil, e se sentiu pequena entre eles, quando percebeu que enquanto mulheres tinham piolhos escorrendo pelo pescoço, um bebê desnutrido marcado para morrer, em sua bolsa havia creme dental, sabonete e toalha limpa.
Uma leitura surpreendente. É impressionante quando começamos a ler e não conseguimos mais parar. Ayaan foi obrigada a se casar com um homem que não conhecia, e aos 21 anos fugiu para a Holanda deixando para trás sua história e família. Presenciou sua irmã enlouquecer até decidir envia-la de volta para a Somália. Ela faleceu após ter tido uma hemorragia provocada por um aborto dominada pela insanidade, e Ayaan não pode nem assistir o enterro da irmã que era seu exemplo de coragem. Na Holanda, conseguiu se eleger deputada do Parlamento e foi ameaçada de morte por fanáticos da religião.
Com uma história de vida dessas a pergunta que surge é: porque não fazem um filme? Fizeram, mas o diretor do curta Submissão - parte 1, Theo van Gogh, foi assassinado pelo fundamentalista islâmico Mohammed Bouyeri. Depois de vários tiros descarregados por uma pistola, teve a cabeça degolada e uma faca encravada na barriga com uma carta endereçada a Ayaan com a mensagem: “A próxima será você”. Uma cena de terror, que Ayaan descreveu entre outras como a do 11 de setembro.
Em 2008, Ayaan recebeu o prêmio Simone de Beauvoir 2008, e está no ranking das 100 pessoas mais influentes da revista Time, de 2005. Atualmente, ela trabalha como Cientista Político e dá palestras em diversos lugares, dentre eles o Brasil. Superação, determinação, inteligência e coragem são palavras que descrevem a vida desta mulher. Em uma entrevista para a revista Veja, o jornalista fez a seguinte pergunta para ela: Se você um dia se encontrasse com Deus, o que gostaria de ouvir dele?
Ela respondeu: Você é verdadeira.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

JANE AUSTEN PARA O CORAÇÃO


Jane Austen entendia mais do que qualquer filósofo os segredos do coração. Para aqueles que curtem um bom romance do qual se podem tirar lições, leiam os romances de Jane. Mas, quem é essa Jane Austen? Muito pouco se sabe sobre ela. Em sua biografia pode-se destacar que morreu virgem. Poderíamos acrescentar ainda que morou com a família até ao fim. Que publicou os seus romances anonimamente, porque não era de bom tom uma mulher se entregar aos prazeres da literatura. E que suas obras, apesar de sucesso moderado, têm conhecido nos últimos anos um sucesso estrondoso e as mais díspares interpretações políticas, literárias, filosóficas, até econômicas. Muitos de seus livros foram adaptados para filmes - mais de vinte - que os seus livros --apenas seis-- suscitaram nos últimos tempos. O último "Amor e Inocência" foi inspirado no livro homônimo (Becoming Jane) de John Spence, um incansável investigador da vida da família Austen. Mas não é uma cinebiografia nos moldes mais tradicionais. Tanto livro quanto filme trabalham em cima de uma recopilação de cartas e testamentos da escritora, uma especulação em torno da sua eloqüente vida , cuja existência está impressa em seus livros, com o roteiro de Kevin Hood. A juventude de Jane Austen é retratada pela atriz Anne Hathaway (O Diabo Veste Prada), que melhorou seu sotaque e aprendeu a tocar piano para o papel. O roteiro faz paralelos com as obras da escritora, demonstrando aonde teria ido buscar inspiração, em particular para "Orgulho e Preconceito".

Jane Austen mal sabia que, depois da morte, em 1817, o mundo acabaria por descobri-la e, sem maldade, usá-la e abusá-la tão completamente. Adoro. Considero Jane Austen uma das maiores escritoras de sempre. Tenho em especial e por preferência aqui destacada "Orgulho e Preconceito". Muitos conhecem a história: Elizabeth, filha dos Bennet, classe média com riqueza nos negócios, conhece Darcy, aristocrata pedante. Ela não gosta da soberba dele. Ele começa por desprezar a condição dela -- social, física-- no primeiro baile onde se encontram. Com o tempo, tudo se altera. Darcy apaixona-se por Elizabeth. Elizabeth resiste, alimentada ainda pelas primeiras impressões sobre Darcy. Darcy declara-se a Elizabeth, sem baixar a guarda do preconceito social. Elizabeth não perdoa o preconceito de Darcy e, ferida no orgulho, recusa os avanços. Darcy lambe as feridas e afasta-se. Mas tudo está bem quando termina bem: Darcy e Elizabeth, depois das primeiras tempestades, estão condenados ao amor conjugal. Lindo. The end.As consciências feministas, ou progressistas, sempre amaram a atitude de Elizabeth: nariz alto, opiniões fortes, capaz de vergar Darcy e o seu preconceito aristocrático. "Orgulho e Preconceito" seria, neste sentido, um livro anticonservador por excelência, ao contrário de "Sensibilidade e Bom Senso", onde a hierarquia social tem a palavra decisiva. Elizabeth não é boneca de luxo, disposta a suportar os mandos e desmandos da sociedade machista. Ela exige respeito. Pior: numa família com dificuldades financeiras, Elizabeth comete o supremo ultraje --impensável no seu tempo-- de recusar propostas de casamento que salvariam a sua condição e a conta bancária de toda a família. A mãe de Elizabeth, deliciosamente histérica e chata, atravessa o romance com ataques nervosos, prostrada no sofá (comendo). Se "Orgulho e Preconceito" fosse um romance pós-moderno, a pobre mãezinha passaria metade do tempo suspirando: Esta filha vagabunda vai levar a família toda para a sarjeta!Elizabeth não cede e triunfa. A família também. Se existe um tema central no romance, não é Elizabeth, não é Darcy. "Orgulho e Preconceito" é uma reflexão brilhante sobre a forma como as primeiras impressões, as idéias apressadas que construímos sobre os outros, acabam, muitas vezes, por destruir as relações humanas. E a lição, a lição final, é que amor à primeira vista ou ódio à primeira vista são uma e a mesma coisa: formas preguiçosas de classificar os outros e de nos enganarmos a nós. O amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera falta de zelo.Procuramos continuamente e desesperamos continuamente porque confundimos o efêmero com o permanente (paixões), o material com o espiritual. A nossa frustração em encontrar o "amor verdadeiro" é apenas um clichê que esconde o essencial: o amor não é um produto que se compra para combinar com a roupa. É algo que se cultiva. Profundamente. Demoradamente.Por isso, aconselho aos sonhadores arrependidos e apaixonados, leiam Jane Austen e limpem as vossas lágrimas! Primeiras impressões todos temos e perdemos. Mas o amor só é verdadeiro quando acontece à segunda vista.