quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

JANE AUSTEN PARA O CORAÇÃO


Jane Austen entendia mais do que qualquer filósofo os segredos do coração. Para aqueles que curtem um bom romance do qual se podem tirar lições, leiam os romances de Jane. Mas, quem é essa Jane Austen? Muito pouco se sabe sobre ela. Em sua biografia pode-se destacar que morreu virgem. Poderíamos acrescentar ainda que morou com a família até ao fim. Que publicou os seus romances anonimamente, porque não era de bom tom uma mulher se entregar aos prazeres da literatura. E que suas obras, apesar de sucesso moderado, têm conhecido nos últimos anos um sucesso estrondoso e as mais díspares interpretações políticas, literárias, filosóficas, até econômicas. Muitos de seus livros foram adaptados para filmes - mais de vinte - que os seus livros --apenas seis-- suscitaram nos últimos tempos. O último "Amor e Inocência" foi inspirado no livro homônimo (Becoming Jane) de John Spence, um incansável investigador da vida da família Austen. Mas não é uma cinebiografia nos moldes mais tradicionais. Tanto livro quanto filme trabalham em cima de uma recopilação de cartas e testamentos da escritora, uma especulação em torno da sua eloqüente vida , cuja existência está impressa em seus livros, com o roteiro de Kevin Hood. A juventude de Jane Austen é retratada pela atriz Anne Hathaway (O Diabo Veste Prada), que melhorou seu sotaque e aprendeu a tocar piano para o papel. O roteiro faz paralelos com as obras da escritora, demonstrando aonde teria ido buscar inspiração, em particular para "Orgulho e Preconceito".

Jane Austen mal sabia que, depois da morte, em 1817, o mundo acabaria por descobri-la e, sem maldade, usá-la e abusá-la tão completamente. Adoro. Considero Jane Austen uma das maiores escritoras de sempre. Tenho em especial e por preferência aqui destacada "Orgulho e Preconceito". Muitos conhecem a história: Elizabeth, filha dos Bennet, classe média com riqueza nos negócios, conhece Darcy, aristocrata pedante. Ela não gosta da soberba dele. Ele começa por desprezar a condição dela -- social, física-- no primeiro baile onde se encontram. Com o tempo, tudo se altera. Darcy apaixona-se por Elizabeth. Elizabeth resiste, alimentada ainda pelas primeiras impressões sobre Darcy. Darcy declara-se a Elizabeth, sem baixar a guarda do preconceito social. Elizabeth não perdoa o preconceito de Darcy e, ferida no orgulho, recusa os avanços. Darcy lambe as feridas e afasta-se. Mas tudo está bem quando termina bem: Darcy e Elizabeth, depois das primeiras tempestades, estão condenados ao amor conjugal. Lindo. The end.As consciências feministas, ou progressistas, sempre amaram a atitude de Elizabeth: nariz alto, opiniões fortes, capaz de vergar Darcy e o seu preconceito aristocrático. "Orgulho e Preconceito" seria, neste sentido, um livro anticonservador por excelência, ao contrário de "Sensibilidade e Bom Senso", onde a hierarquia social tem a palavra decisiva. Elizabeth não é boneca de luxo, disposta a suportar os mandos e desmandos da sociedade machista. Ela exige respeito. Pior: numa família com dificuldades financeiras, Elizabeth comete o supremo ultraje --impensável no seu tempo-- de recusar propostas de casamento que salvariam a sua condição e a conta bancária de toda a família. A mãe de Elizabeth, deliciosamente histérica e chata, atravessa o romance com ataques nervosos, prostrada no sofá (comendo). Se "Orgulho e Preconceito" fosse um romance pós-moderno, a pobre mãezinha passaria metade do tempo suspirando: Esta filha vagabunda vai levar a família toda para a sarjeta!Elizabeth não cede e triunfa. A família também. Se existe um tema central no romance, não é Elizabeth, não é Darcy. "Orgulho e Preconceito" é uma reflexão brilhante sobre a forma como as primeiras impressões, as idéias apressadas que construímos sobre os outros, acabam, muitas vezes, por destruir as relações humanas. E a lição, a lição final, é que amor à primeira vista ou ódio à primeira vista são uma e a mesma coisa: formas preguiçosas de classificar os outros e de nos enganarmos a nós. O amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera falta de zelo.Procuramos continuamente e desesperamos continuamente porque confundimos o efêmero com o permanente (paixões), o material com o espiritual. A nossa frustração em encontrar o "amor verdadeiro" é apenas um clichê que esconde o essencial: o amor não é um produto que se compra para combinar com a roupa. É algo que se cultiva. Profundamente. Demoradamente.Por isso, aconselho aos sonhadores arrependidos e apaixonados, leiam Jane Austen e limpem as vossas lágrimas! Primeiras impressões todos temos e perdemos. Mas o amor só é verdadeiro quando acontece à segunda vista.

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