quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Jornalismo Policial – Interesse Público x Interesse do Público


Na internet, a foto está em alta resolução, no jornal é a manchete do dia, na televisão a matéria foi reprisada até cair a audiência. Um dia atrás era um pedreiro revoltado com a traição da mulher, no outro era um assassino a sangue frio que impressionou moradores de uma pequena cidade do interior. Não é de hoje que a mídia é chamada de quarto poder, aquele que iria fiscalizar, disseminar, impor, manipular e formar opiniões. Crimes são transformados em acontecimentos de destaque, e cada vez mais ganham espaços no noticiário.


A relação imprensa x polícia tem se tornado cada vez mais irrestrita a fim de interesses mútuos. De um lado, a divulgação e promoção do trabalho, do outro, interesse público e do público. Existe uma grande diferença entre o que é de interesse público e o que é de interesse do público. Este último consiste em tudo aquilo que desperta a atenção e supre a curiosidade do espectador, leitor e ouvinte, ou seja, é o que a massa quer saber. A humanização do fato. Já o interesse público são informações relevantes sobre um acontecimento e indispensáveis ao contexto sócio-político-econômico que envolve o espectador, leitor e ouvinte, em outras palavras, é o que eles devem saber. As coberturas jornalísticas têm ganhado fama de sensacionalista quando envolve polícia. Se a polícia não é a protagonista do fato, o que tem sido constante, ela contribui com a construção de um e de mais personagens que envolvem o fato. Na verdade, o interesse do público é o que tem estimulado a indústria jornalística.


Os crimes hediondos são a matéria-prima do jornalismo policial e, atualmente, é o que tem sido manchetes sobre uma sociedade sensacionalista. Entendemos por crimes hediondos aquele tem uma gravidade acentuada, que causam aversão e revolta à coletividade por ofenderem os valores morais legítimos. Mas, se ofende, porque será que continua sendo destaque? Na televisão, assistimos as vítimas ou seus familiares emocionados, uma linguagem descritiva com tom emotivo, as tomadas de câmera aproximativas com elementos que oferecem uma carga dramática ao espectador, que é informado do que e de como ocorreu. No jornal, as palavras são envolventes, as fotos ajudam a construir uma história por trás de detalhes. No rádio, a voz dá vida ao fato, que é contado ao pé do ouvido.


Na reação das pessoas, deixa-se evidente a inconformidade com comportamentos brutais, o que é considerado certo ou errado na sociedade, a solidariedade que devemos ter com as vítimas e a necessidade do público agir por justiça. E é aí que temos os dois lados do jornalismo policial. Com interesses econômicos, a mídia fatura em estimular o sensacionalismo de fatos e crimes bárbaros, pelo aumento da audiência, pela venda de jornais; com interesses sociais, a mídia resgata a imagem de defensora, denunciadora de atrocidades, inconformada com a crueldade, aproximando-se do povo e ratificando seu papel de formar a opinião pública e reforçar valores da sociedade.



Quando uma matéria jornalística foca um personagem, um fato amplo é particularizado, exemplificando os efeitos que uma pessoa teve com o ocorrido. Mas somente a humanização da notícia também não é capaz de abranger a dimensão do contexto no qual o fato está inserido. As estatísticas e a personificação ou outros elementos que exploram a emoção são complementares. As primeiras são necessárias para quantificar a dimensão do fato, num contexto mais amplo. As últimas, por sua vez, podem ser caracterizadas como qualificadoras da notícia. Mas, e a pessoa que virou personagem? Como fica a vida dela? O público de massa consome espetáculo e a mídia aproveita de tal demanda, modificando seu comportamento, alternando dados e detalhes. Imagens marcantes, textos líricos, acréscimo de detalhes, histórias dos envolvidos, entre outras táticas sensacionalistas, levam o telespectador a perceber os sentimentos e as emoções que envolvem as vítimas, colocando-se em seus lugares e dispondo-se a ajudar. Mas o que me deixa curiosa é : como ficam os personagens? Só o fato interessa?


A imprensa recebeu diversas vezes criticas pela abordagem sensacionalista que fez sobre acusados, suspeitos antes mesmo da conclusão do processo jurídico. Mas pouco se falou dos erros cometidos por autoridades. Elas quem contribuem para o jornalismo policial e investigativo. Como citado em um artigo do “Observatório da Imprensa”, a delegada Maria José Figueiredo chamou Alexandre Nardoni, pai da menina Isabella Nardoni, de assassino, no dia seguinte à morte da garota. Outros erros também podem ser destacados no que se refere à divulgação de porcentagens, dadas por autoridades, de quanto o caso estaria resolvido e de informações que passavam à imprensa, enquanto o inquérito estava sob sigilo. Essa relação irrestrita de autoridades com a imprensa não tem o direito de deformar um fato criminoso, prejudicar os suspeitos e agir sem critério na cobertura sensacionalista de crimes.



Há uma linha tênue entre o sensacionalismo e a ética, mas é preciso reforçar a idéia de que não são termos incompatíveis e que podem, assim como devem, ser trabalhados conjuntamente. Os veículos midiáticos são autoridades reconhecidas e legitimadas pela sociedade. A credibilidade do jornalismo, a curiosidade despertada pelo sensacionalismo e o alcance massivo da mídia têm, juntamente, poderes eficazes no estímulo da participação social nas questões políticas e sociais. As mídias tornam-se uma ameaça de denúncia aos criminosos e às autoridades que não cumprem seu papel. Além de constituírem-se em indústria do espetáculo, os meios de comunicação de massa passam a ser um instrumento contra a impunidade. Vale repensarmos então sobre a humanização do fato, ou a história por trás do fato.

Um comentário:

joao-claudio@hotmail.com disse...

sobre jornalismo policial, que foi tema de uma postagem recente sua, lembrei-me de algo que postei no orkut este dias, onde fala sobre 'programas de tevê' - segue o trecho: evito assistir a telejornais. Não preciso ser alimentado 3x por dia das misérias e mazelas do mundo. Não que eu viva num mundo cor-de-rosa e perfeito, eu sei que há muitas coisas no mundo a serem mudadas, mas não acredito que explorar a miséria humana em troca de ibope e inserções comerciais seja a saída. Por isto, me nego também a alimentar minha mente da ração de sangue e tripas vindas de jornais como 'super' , 'aqui', e outras invenções nefastas. e ainda acrescentaria hoje: mostrar o mal, cultivar o mal, detestar o mal, detalhar o mal, é dar forças para ele e recriá-lo de infinitas maneiras novas todos os dias. o dia que nos concentrarmos no bem que nós humanos somos capazes de alcançar, e superarmos esta curiosidade mórbida pela tragédia alheia. Só então conseguiremos romper este ciclo vicioso de transformar a violência urbana em pequenos 'thrillers' de terror que assombram os noticiários, parece que para cumprir a mesma função de um filme de terror: causar arrepios e repúdia do público, que acaba por desligar a televisão e ir dormir como se fosse a coisa mais natural do mundo. (prá lá de 'show de truman', não acha?) - força em sua missão como jornalista, um abraço!

Jones.