quarta-feira, 14 de abril de 2010

Um cachorro, uma tragédia e uma esperança


Sou apaixonada por cachorros. Pena que sempre morei em apartamento e nunca tive a chance de ter um. Acredito que eles precisam de espaço para suas brincadeiras, e sem um terreno daqueles enormes que costuma ter em casa de avós, não seriam tão felizes quanto gostaria que fossem. Todos os dias me deparo com um poodle, de cor bege, que fica numa casa próxima de onde moro. A casa, abandonada por muitos anos, tem um garagem coberta na entrada onde esse cachorro consegue abrigo. Muito esperto por sinal, ganha pão de vez em quando dos vizinhos, mas tem medo de quem se aproxima. Nunca conseguimos chegar perto.
Se eu tivesse uma casa, levaria ele para morar nela. Lá, ele não teria que ter medo do que poderia vir no dia seguinte. Na semana passada, em meio às notícias do desastre que ocorreu no Morro do Bumba, em Niterói, no Rio de Janeiro, uma me recordou desse poodle que luta para sobreviver. Bombeiros conseguiram resgatar dois cachorros com vida após ficarem três dias embaixo dos escombros. Depois deste resgate, muitos outros animais foram salvos, até um papagaio que gritava sem parar por sua dona. Nick, o primeiro cachorro a ser retirado, emocionou bombeiros e o seu dono, o gerente de RH Bruno Lemos, que ainda esperava encontrar com vida cinco de seus parentes que continuavam soterrados.
Nick reascendeu uma chama de esperança em moradores daquele morro, vítimas do relaxamento moral e jurídico das autoridades. Acontece que ele é um cachorro que não entende de política pública, só sabia que tinha uma casa para morar e uma família para lhe dar carinho. Mas onde ele morava era o Morro do Bumba. Um lixão desativado, cujos restos são até hoje aparentes e deixam no ar um permanente cheiro de podridão. O lugar era inadequado para moradias desde a década de 80, quando foi invadido sem nenhuma objeção do governo. Ao contrário disso, os sucessivos prefeitos fizeram melhorias no local, proporcionando água encanada, ruas asfaltadas e eletricidade, o que só fez atrair moradores.
Décadas de irresponsabilidade conspiraram para que o Morro do Bumba se tornasse uma comunidade construída sobre um terreno altamente suscetível a deslizamentos. Logo ela viria a deslizar morro abaixo. Pessoas inocentes do que estaria por vir foram morar no Bumba. Em contrapartida, relatórios diziam que o local era inapropriado às autoridades. Se for possível acontecer de pessoas acreditarem que moram num lugar seguro mesmo com todos os problemas urbanos que o atinge, é provável que a “favelização” continue até que outros desastres como o do Bumba venham com a próxima estação de chuvas.
Enquanto isso fica a esperança que Nick trouxe para os moradores daquele morro. O que era um momento ruim, ficou amenizado pela presença dessa pequena criatura. Mas desejo que ele não se perpetue à custa da demagogia. Um dia sei que vou adquirir uma casa para o meu poodle de cor bege morar. Mas também defendo a ideia de que tantos outros possam realizar o sonho da casa própria sem que esteja por trás disso o jogo de interesses políticos.

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